domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mais uma decisão que assegura direito a vida de muitas mulheres: STF CONFIRMA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

Além de decidir conflitos de alguns artigos da Lei Maria da Penha o STF garantiu que o acusado será processado independente da queixa da vítima, quando houver lesão corporal, uma vez que na maioria dos processos as vítimas desistem antes da sentença final e retiram a queixa, o que impossibilitava o Ministério Público continuar com a ação penal.

Veja artigo publicado na revista Consultor Jurídico dia 09/02/2012:

Violência doméstica

Lei Maria da Penha é constitucional, decide Supremo

Por Marcos de Vasconcellos

A Lei Maria da Penha é constitucional e o Ministério Público pode atuar nos casos de crimes de lesão corporal contra as mulheres independente da representação da vítima, decidiram os ministros do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (9/2). O julgamento encerrou os questionamentos sobre o conflito dos artigos 1º, 33 e 41 da lei e garantiu a existência de ações contra os agressores mesmo quando a queixa é retirada ou não é nem feita pelas mulheres.

O ministro Marco Aurélio votou pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424, que estava sob sua relatoria, sendo acompanhado por oito de seus colegas (o único voto contrário foi de Cezar Peluso). Para o ministro, a proteção que o Estado deve dar às mulheres ficaria esvaziada caso se aplicasse a Lei 9.099/95, dos Juizados Especiais, que condiciona a atuação do Ministério Público à representação.

O ministro citou, ainda, que dados estatísticos demonstram que, em cerca de 90% dos casos, a mulher agredida acaba renunciando à representação. Muitas vezes, segundo Marco Aurélio, "na esperança de uma evolução do agressor". O relator ponderou que, na verdade, o que ocorre é uma reiteração da violência, normalmente de forma mais agressiva, exatamente pela "perda dos freios inibitórios", uma vez que a mulher recuou na denúncia.

Constitucionalidade garantida

Por unanimidade, a lei que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher teve sua constitucionalidade decidida com o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 19, na qual a Advocacia-Geral da União, representando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pretendeu (e conseguiu) acabar com as divergências em relação à lei. A ação foi motivada por diferentes decisões de juízes e tribunais, que, ao julgar casos de violência doméstica, afirmaram que a lei é inconstitucional.

A ação explica que a lei não tem sido aplicada em diferentes casos por juízes verem nesta uma afronta ao princípio da igualdade, garantido no artigo 5º da Constituição Federal, ao tratar de forma diferente mulheres e homens, uma vez que a lei só se aplica à violência contra a mulher.

Outro ponto questionado em decisões judiciais é o artigo 33, que define que as varas criminais "acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher", enquanto não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. As sentenças que definem tal artigo como inconstitucional alegam que o artigo 96 da Carta Magna diz que cabe aos estados (e não à União) fixar a organização judiciária local.

O terceiro e último ponto apontado na ADC 19 é o suposto conflito constitucional contido no artigo 41, que destitui a competência dos Juizados Especiais para julgar o caso.

A ação expõe sentenças dos Tribunais de Justiça do Mato Grosso do Sul, do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul que consideraram a Lei Maria da Penha inconstitucional pelos três motivos.

A AGU sustentou que a Lei Maria da Penha, ao inibir a violência contra a mulher, estaria conferindo efetividade ao princípio constitucional da igualdade material, ao tratar diferentemente a mulher para reverter a discriminação sofrida por ela.

A alegação de que haveria inconstitucionalidade na fixação das varas criminais para julgar os casos previstos na lei é tida como improcedente, uma vez que, segundo alegação da AGU, compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual, para conferir tratamento uniforme a determinadas questões, "principalmente as que extrapolam os interesses regionais dos estados, como o combate à violência doméstica".

Já em relação ao questionamento da constitucionalidade do artigo 41, a defesa da AGU alegou que a Constituição prevê a criação de Juizados Especiais apenas para infrações penais consideradas de pequeno potencial ofensivo, mas que a violência doméstica não pode ser considerada dessa maneira. "A violência doméstica contra a mulher tem um desastroso efeito nocivo à sociedade", diz a ação, justificando que isso faz dela "um crime de maior potencial agressivo". Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
ADI 4.424
ADC 19
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 9 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Decisão JUSTA!

Amplos poderes


CNJ pode processar juízes antes das corregedorias

Por Rodrigo Haidar

Matéria publicada na Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2012


O Conselho Nacional de Justiça pode abrir e julgar processos ético-disciplinares contra juízes sem ter que esperar pela ação das corregedorias dos tribunais locais. Mais: a decisão do CNJ de agir não depende de motivação expressa. Ou seja, o Conselho pode trazer para a sua competência as ações sem explicar os motivos pelos quais decidiu julgar determinado caso. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (2/2) pelo Supremo Tribunal Federal.

Por seis votos a cinco, colocou-se um ponto final nas discussões sobre os limites de poder de atuação do CNJ. Os ministros discutiram a liminar concedida por Marco Aurélio em 19 de dezembro. Ou seja, não julgaram o mérito da ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra o Conselho. Mas avançaram bastante nas discussões, o que torna difícil que outra decisão seja tomada no julgamento do mérito da ação.

Os ministros encerraram a sessão mesmo sem a análise de três artigos da Resolução do CNJ. De acordo com o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, o julgamento continuará na próxima quarta-feira.

Mas o resultado em relação à competência do CNJ já está definido. As ministras Rosa Maria Weber e Cármen Lúcia, e os ministros Dias Toffoli, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Gilmar Mendes decidiram que o poder do CNJ é concorrente ao das corregedorias. Para os seis, frente ao poder do CNJ, a autonomia dos tribunais tem de ser atenuada.

Os ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Celso de Mello e Cezar Peluso votaram no sentido de que a competência é subsidiária. Ou seja, o CNJ pode atuar, mas nos casos de omissão das corregedorias ou depois delas. O ministro Ricardo Lewandowski decidiu que a competência seria comum. Nem concorrente, nem subsidiária. Mas afirmou que para atuar originariamente, o Conselho deveria fundamentar sua decisão. “É curial no procedimento administrativo que se fundamente os motivos de sua instauração”, sustentou Lewandowski.

As discussões foram acaloradas. Ao defender a competência do CNJ, o ministro Gilmar Mendes afirmou: “Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de julgar os próprios pares. Jornalistas e jornaleiros sabem disso”. Joaquim Barbosa completou o raciocínio de Mendes: “A tese da subsidiariedade é fruto da imaginação criadora de uns poucos que querem que as coisas mudem de certa forma para que tudo continue como antes”.

Em outro ponto da sessão, Gilmar Mendes leu um documento da AMB relembrando que a associação concordou com a Resolução 135 do CNJ. Na ocasião, a AMB não fez qualquer reparo. O presidente Cezar Peluso ironizou: "Vamos incorporar isso à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal". E Marco completou: "De qualquer forma, Excelência, o arrependimento é eficaz".

Ao final da sessão, o ministro Marco Aurélio não deixou de lado sua conhecida ironia: "O CNJ é o órgão a quem o Supremo deu uma carta em branco. Só espero que não haja o despejo do Supremo do prédio que ele hoje ocupa".

Na prática, todos os ministros entenderam que o CNJ tem competência para atuar antes das corregedorias. A divergência se deu em relação às formas de atuação. Para os ministros vencidos, o Conselho deveria expor as razões de decidir atuar em determinados casos. Teria de fundamentar a decisão e agir nos casos de anomalias. Mas para a maioria, o órgão de controle do Judiciário tem poder de abrir as ações sem precisar expor expressamente seus motivos.

A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela AMB contra a Resolução 135/10 do CNJ, que fixou regras para o trâmite de processos disciplinares contra juízes que devem ser obedecidas pelos tribunais. Os ministros discutiram cada ponto da liminar de Marco Aurélio e acolheram alguns dos pedidos da associação de juízes.

Por exemplo, decidiram que o CNJ não pode impor, por resolução, penas mais rigorosas aos juízes do que aquelas previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Mas na parte mais importante e polêmica, decidiram que o poder conferido pela Constituição Federal ao CNJ mitiga a autonomia e independência administrativa dos tribunais, ao menos até a edição de uma nova Loman, cujo anteprojeto deve ser apresentado pelo próprio Supremo.

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O Supremo também decidiu, por nove votos a dois, que os processos disciplinares contra juízes devem ser públicos e seus julgamentos feitos em sessões abertas. A AMB pediu que os processos em que os acusados estivessem sujeitos às penas de advertência ou censura, mais leves, fossem sigilosos para não expor os juízes.

Apenas os ministros Cezar Peluso e Luiz Fux atendiam ao pedido da AMB. “Como pode o magistrado exercer suas funções submetido a um julgamento público?, questionou Fux. De acordo com o ministro, se inocentado, a decisão não seria capaz de reparar os danos à sua imagem.

Segundo o ministro Marco Aurélio, “o respeito ao Poder Judiciário não pode ser obtido por meio de blindagem destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão sancionador”. O ministro também afirmou que “o sigilo é uma balela”. Isso porque “a existência do processo acaba vindo à baila e ao conhecimento popular”. Para ele, a suposição macula mais do que a realidade retratada e formalizada no processo: “As pessoas começam a ver chifres em cabeça de cavalo”.

Outro ponto decidido pelos ministros foi bem resumido em uma frase do ministro Ayres Britto. “O CNJ não pode impor deveres aos tribunais. Mas se os tribunais não cumprirem o seu dever, aí atua o CNJ”. Por unanimidade, os ministros decidiram que o Conselho não pode dizer quem deve atuar nos tribunais. Estava em discussão o artigo 8º da resolução.

A regra fixava o seguinte: “O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo”.

Os ministros mantiveram o artigo, mas deram interpretação conforme a Constituição à norma. No lugar de “corregedor” e “presidente”, os ministros entenderam que deve se ler “o órgão responsável do tribunal”.

Também se decidiu que o CNJ pode estabelecer prazos para a atuação dos tribunais. A decisão foi tomada na discussão do artigo 10 da resolução: “Das decisões referidas nos artigos anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação”.

O STF decidiu suprimir a expressão “por parte do autor da representação”, principalmente diante da manifestação do ministro Cezar Peluso. Para o ministro, a regra privilegiava a acusação ao não prever a possibilidade de o juiz acusado recorrer da decisão. O direito seria apenas do acusador. “O que me choca é que não se assegura aos magistrados aquilo que os magistrados asseguram às

partes: tratamento igualitário com o contraditório”, protestou Peluso.

Decisões anteriores

A discussão sobre os limites de atuação do CNJ começaram na quarta-feira (1º/2). Os ministros decidiram que as penas administrativas previstas na Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65) não se aplicam aos juízes. A decisão foi tomada por nove votos a dois, vencidos a ministra Cármen Lúcia e o ministro Joaquim Barbosa.

Os ministros decidiram referendar a liminar de Marco Aurélio no ponto em que afirma que as penas administrativas aplicadas para magistrados são aquelas previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). O que se entendeu é que o CNJ não pode determinar a aplicação da Lei de Abuso de Autoridade sobrepondo-se ao Congresso Nacional.

“O CNJ, ao dispor em sentido diverso, acabou por fazer as vezes do Congresso Nacional”, afirmou Marco Aurélio. Ou seja, a lei de abuso pode até ser aplicada aos juízes, mas apenas o Parlamento tem poder de decidir isso. Nunca o CNJ. Na quarta, foram decididos três pontos. Nos três casos, a liminar de Marco Aurélio foi mantida.

Primeiro, por nove votos a dois, vencidos os ministros Cezar Peluso e Luiz Fux, o STF rejeitou o pedido da AMB contra a expressão “tribunal”, contida no artigo 2º da resolução do CNJ. De acordo com a regra, "considera-se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respectiva competência administrativa definida na Constituição e nas leis próprias". A AMB atacou o fato de o CNJ, órgão administrativo, ter se enquadrado como tribunal.

Marco Aurélio negou a liminar neste ponto e a maioria do tribunal o acompanhou. Para os ministros, a expressão "tribunal" revela apenas que as regras da resolução são aplicáveis também ao CNJ. "Em síntese: tem-se, com a expressão 'considera-se tribunal', apenas a submissão dos dois órgãos à Resolução, embora os dispositivos não se refiram especificamente a eles, aludindo unicamente a Tribunal."

Por unanimidade, os ministros também negaram a liminar pedida pela AMB para suspender o inciso V do artigo 3º da Resolução 135. A norma prevê como uma das penas administrativas para juízes que cometem faltas a aposentadoria compulsória. A AMB contestou o fato de o artigo não prever a aposentadoria, "com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço".

A liminar foi rejeitada porque, para o ministro Marco Aurélio, o silêncio da regra que prevê a aposentadoria compulsória sem fazer referência ao recebimento de subsídio ou proventos proporcionais não autoriza presumir que os tribunais negarão o direito aos juízes, já que a Constituição prevê expressamente, no artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso III, a aplicação da aposentadoria compulsória "com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço".

Outro ponto analisado, no qual também foi mantida a liminar do ministro Marco Aurélio, diz respeito à aplicação das penas administrativas da Lei de Abuso de Autoridade aos juízes. Neste ponto, a AMB saiu-se vencedora. Os ministros entenderam que os juízes sujeitam-se apenas à Loman. Na Lei de Abuso de Autoridade, as punições variam de advertência até a demissão a bem do serviço público, mais grave do que a da Loman, cuja pena máxima é a simples demissão.

Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2012